sábado, 13 de abril de 2013

Uma aula sobre burca

O filósofo e poeta Antonio Cícero deu  interessante, esclarecedora e longa  entrevista exclusiva a Aetano Lima. O Café & Veneno pede licença ao autor  para  publicar alguns trechos. O intuito é realça-los e facilitar a leitura.  Leia a íntegra da intrevista com um clique AQUI.

Mulheres ditas informadas que optam pelo uso da burca deveriam renunciar a qualquer vida – ou pronunciamento – público.

Antonio Cícero
A burca faz parte de um sistema cultural. Assim, entre os talibãs, que estão entre seus principais defensores, por exemplo, as mulheres não são apenas obrigadas a usar a burca, mas são também destituídas de autorização para trabalhar fora, proibidas de se escolarizarem depois de oito anos de idade e, até então, obrigadas a não estudar senão o Alcorão; caso violem as leis talibãs, estão sujeitas a serem publicamente açoitadas.
Creio haver basicamente cinco tipos de mulheres que usam a burca.

O primeiro é o das mulheres que são simplesmente obrigadas a fazê-lo pelas suas famílias.
O segundo é o das mulheres que acham natural serem submetidas a semelhante sistema cultural. Foram convencidas disso exatamente por ignorância: por nada terem aprendido, fora técnicas domésticas e preconceitos de origem religiosa e cultural. Não conhecendo alternativas, é por ausência de liberdade, não por liberdade, que elas querem usar a burca.
O terceiro, que em grande parte coincide com o segundo, é o das mulheres que optam pela escravidão ou pela eterna minoridade, de modo a escapar das responsabilidades que advêm da liberdade.
O quarto é o das mulheres que, jamais tendo sido obrigadas a usar a burca, decidem fazê-lo para afirmar sua identidade cultural e religiosa islâmica. Isso ocorre principalmente entre mulheres muçulmanas que vivem no Ocidente, inclusive entre mulheres que, não tendo origem muçulmana, converteram-se ao islã. A maior parte das fundamentalistas é composta de tais mulheres.
O quinto é o das mulheres que usam a burca idiossincraticamente, sem terem nenhum compromisso cultural com o que ela representa, por mero capricho ou moda.
Veja bem: penso ser evidente que a imensa maioria das mulheres que usam a burca pertence ao primeiro, ao segundo e ao terceiro grupo. São as mulheres que por diferentes razões são, voluntária ou involuntariamente, escravizadas pelos seus pais, irmãos e/ou maridos.
A função da proibição da burca é fazer com que, por motivos práticos, (1) os maridos dessas mulheres deixem de impor seu uso a elas; (2) essas mulheres mesmas deixem de considerar natural o uso da burca, e, consequentemente, sejam capazes de abandoná-la, (3) fazer com que cada uma delas assuma uma personalidade pública, inclusive as responsabilidades e liberdades que fazem parte de tal personalidade.
É verdade que a proibição significa também impedir o exercício da liberdade de usar a burca pelas mulheres do quarto e do quinto grupo. Entretanto, não só elas são muito poucas, em comparação com as dos primeiros grupos, como, no que toca às do quarto grupo, há algo de espúrio em sua adoção da burca. Por que? Porque, segundo a formulação usada por você, trata-se de mulheres que decidiram fazê-lo “de modo livre e informado”. Nesse caso, elas devem saber que a burca faz parte do sistema cultural que descrevi acima: e que, segundo esse sistema, as mulheres não devem ser livres nem informadas. Se quisessem realmente afirmar a identidade cultural e religiosa islâmica, deveriam também, abandonando seus empregos, já que são mulheres, encerrarem-se no lar, deveriam se restringir a ler o Alcorão, deveriam apoiar a adoção da “lei islâmica” ou charia (que despreza os direitos humanos) e deveriam renunciar a qualquer vida – ou pronunciamento – público.
Quanto ao quinto grupo, que usa a burca por mero capricho ou moda, penso que a perda de liberdade que sofrem ao ter que abdicar do seu uso não é nem de longe comparável com a escravidão sofrida pelas mulheres que são obrigadas a usar a burca.

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