sexta-feira, 24 de maio de 2013

Anjos não tem idade, anjos são eternos


Dizem que muitos nomes contem o destino das pessoas.
Não é para todo mundo que Deus diz: Vá ser Anjo na vida.
E  mesmo que Deus diga, não são todos os que obedecem a sina de proteger, guardar e se esquecer pelos outros.
Mas há os que levam essa sina a sério e vivem uma vida longa para melhor iluminar o caminho de uma família tão grande como a nossa.



Todos dessa imensa família  Pellicano  somos um pouco irmãos e filhos de Ângelo. 
Todos aqui provaram de sua comida e não se esquecem de seu arroz com chuchu. Da bacalhoada sempre aumentada com pão amanhecido. Nem de sua torta de banana e muito menos de um especial doce de gomos de limões galegos, colhidos no quintal. Ele sempre fez o milagre de esticar o que tinha na dispensa para que ninguém passasse fome. E nunca lhe faltou dinheirinho pra arriscar no jogo do bicho.





Quando a mãe, Venerina,  ficou viúva aos 35 anos, com nove filhos, ele foi precocemente arrimo de família. Cuidou dos irmãos mais novos. Aprendeu a cozinhar, costurar, fazer crochê. Quando jovem, tinha uma legião de amigos. Adorava dançar, pular carnaval, e dizem que também de tomar uns porres de lança-perfume. Não era proibido.

Foi o mais amado dos irmãos, das  irmãs, cunhados, cunhadas. Cuidou dos sobrinhos e sobrinhas  como filhos antes e depois de ter sua própria família com uma das mais lindas  moças de Ouro Fino. Ela também carregou no nome o destino de ser Cirineia e Santa. Cirineia Santa Rigotto.  

Vocês sabem, Cirineu foi aquele bom homem que ajudou Jesus a carregar a cruz até o calvário. Não foi por acaso que uma Cirineia aconteceu na vida de um Anjo. Deus sabia que a tarefa dada a Ângelo Pelicano seria plena de luz, de muitas alegrias, muitos fortes acontecimentos, mas também de muitas perdas e dificuldades. Nunca seria fácil. 

Então, abençoada a família que tem como exemplos, como guias um Anjo e uma Santa. Eles teceram juntos belezas pelos caminhos que trilharam na forma de casas sempre arrumadas e acolhedoras, vestidos de festas, enxovais, ternos,  casacos de frio, peças de crochês e bordados, bolos de casamento e de aniversário. Cuidaram juntos com desvelo de parentes doentes. E há sobrinhos aqui que estão vivos porque, quando desenganados pelos médicos, Ângelo não esmoreceu. Passou a noite velando por eles, quando as mães já não aguentavam de exaustas. 

Celebramos no dia 23 de maio a vida de Ângelo Pelicano, filho, irmão, marido, pai, sogro, tio,padrinho, avô e bisavô; do Ângelo Pelicano amigo querido de tanta gente de Ouro Fino e aqui de Brasília. Dizem que ele completou 90 anos. Mas vocês sabem que Anjo não tem idade. Anjos são eternos. Amém 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A propósito de chuvas temporãs e chuvas serôdias


Por Clara Favilla

Dizem que usamos no máximo 200 palavras pra expressar o que queremos no dia-a-dia. Estamos acostumados a um vocabulário pobre e recorrente. Um  linguajar arroz  com feijão, de tão básico. Como feijão parece que também está saindo de moda,  melhor chamar esse linguajar de  arroz com arroz. E daqueles sem sal, sem salsa ou qualquer especiaria. 

Jornais e revistas, noticiário televisivos, filmes até os de trama mais complexas, sem falar nas peça publicitárias, contribuem para essa nossa pobreza na comunicação oral e até escrita.  Afinal , tudo precisa ser dito o mais rápido possível e com palavras que todo mundo entenda. 

A opção pelo óbvio reduziu muito o que entendíamos por clareza na exposição de ideias. Raro alguém garimpar aquela palavra sonora, bendita, na elaboração de textos de leitura diária e obrigatória. De vez em quando, tropeçamos em cacos, estilhaços dos filões de belezas soterradas. Alguém grita: Eureka! E navegamos pela Grécia Antiga, nas ondas ancestrais da filosofia. È bem verdade que alguns engraçadinhos, envergonhados de tal conhecimento gritam: Corega! Sim, muitas vezes nos nivelamos por baixo para fazer parte do bando. 

Enquanto eu crescia,  gostava de ouvir os antigos da família. Eles não estavam contaminado pelo vocabulário da hora. Uma das minhas avós dizia a palavra alhures com a maior naturalidade. Outra, soltava, aqui e acolá,  um sonoro quiçá. Nenhuma falava lanche, nem lancheira. Mas merenda e merendeira. Rico era nababo. E advogado, rábula. Uma das minha avós falava portuliano como a maioria das avós da minha cidade. Achava simplesmente, quando criança, que elas eram apenas senhoras de um jeito muito próprio de se fazer entender pelos respectivos clãs. 

Avós também escreviam com grafia de outras épocas: ella, pharmácia, cousa.  Já faz algum tempo que o falar e o escrever andam perdendo a identidade geracional. Avós, filhos, netos  e bisnetos falam as mesmas gírias e abreviam palavras ao escrevê-las. As vogais estão desaparecendo. Vejam:  pq, qd.  Beijo no singular é bj. No plural, bjs.  O abraço quase desaparece num mesquinho ab. No plural, abs. 

Algumas consoantes também desaparecem quando escrevemos. A verdade empobreceu e é  apenas vdd. E não culpem o Twitter. Essa redução já vem acontecendo faz tempo. Além disso, qual a parcela da população  é tuiteira? Essas reduções de grafia podem ser comprovadas em bilhetes, cartas manuscritas e em e-mails de gente que nunca tuíta, que nunca manda mensagens de textos via celulares.  Digamos assim, é uma tendência. Textos inteiros começarão a sair  assim com palavras sem vogais e com um mínimo de consoantes.  Quem viver verá. 

Uma boa oportunidade de se ouvir palavras mágicas, plenas de significado é frequentar igrejas. Nas católicas tem as leituras  de passagens bíblicas e a do  Evangelho do dia. Pena que ao comentá-lo o padre de plantão recorra ao vocabulário mais rasteiro. Padres e pastores demolem qualquer vestígios de beleza em seus sermões ao comentar epístolas,  salmos, parábolas. Os Evangelistas certamente tornaram-se cegos e surdos nas Alturas. Mesmo iluminadas em vida pelo Espírito Santo e transformados em plena luz depois da morte, não encontrariam palavras que traduzissem a ira terrível e santa pelo que fizeram  de suas palavras com o passar dos séculos. 

Bem, tudo o que escrevi tem a ver com post aqui neste blog  com o título Sobre indignações cínicas e Serôdias, do amigo Aetano. Confesso que precisei recorrer ao dicionário.  Serôdio do latim serotinus - que age tarde, tardio. Adjetivo. 1. Que vem no fim da estação própria. 2. Que aparece ou acontece fora do tempo considerado próprio. 3. (Figurado) Que já se sabe há muito tempo, equivalente a antigo, velho. 

Não sei se a formação em Direito de Aetano é a causa dele nos brindar com tais pérolas. Pode ser o tipo de leituras que faz. Só sei que fico feliz quando preciso recorrer ao dicionário. Nem tudo está perdido. Há ainda pessoas neste mundo, dessas perto de nós,  que não se contentam com o linguajar da hora. Que usam natural e devidamente palavras cheias de conteúdo, ainda não desgastadas. Palavras  que reluzem feito jóias raras quando resgatadas da obscuridade ou de nichos nem sempre acessados. E nos fazem lembrar de chuvas temporãs e chuvas serôdias e o conteúdo místico que as envolvem desde o cerne.